sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

SEMINÁRIO DE “METODOLOGIA DE PESQUISA EM MÚSICA”

Instituto de Artes - 13 e 14 /08/00

Texto de Suzel Ana Reily *
* todos os link´s e referências bibliográficas deste texto estão no final do mesmo.

Introdução

Como minha área é a etnomusicologia, é desta perspectiva que eu abordo o tema deste painel. A etnomusicologia se propõe a estudar a música no seu contexto social e cultural e, como todas as expressões musicais têm um contexto social e cultural, abordagens etnomusicológicas podem ser adotadas para o estudo de qualquer estilo musical. Vale dizer, contudo, que até a pouco, a etnomusicologia era dominada por análises de tradições clássicas não ocidentais e de tradições orais entre groups não-letrados. Hoje, porém, os estudos de estilos populares veiculados pelos meios de comunicação de massa vêm se tornando cada vez mais comuns na disciplina e, com isto, está havendo uma convergência entre a etnomusicologia e o campo de estudos da música popular. Parece-me que esta convergência deriva da própria orientação antropofágica que opera nas duas áreas, embora suas trajetórias tenham sido bastante distintas. A etnomusicologia é, freqüentemente, representada como a disciplina que faz a mediação entre a musicologia e a antropologia, enquanto a área de estudos da música popular se desenvolveu de modo mais eclético, estando hoje ligada aos chamados 'estudos culturais' ou 'cultural studies'. Voltando-se principalmente para a indústria cultural da sociedade ocidental moderna, os 'estudos culturais' procuram fazer mediações entre política, sociologia, semiótica e comunicações. Com a convergência da etnomusicologia com os estudos culturais, o arcenal teórico para o estudo da música popular tem se tornado bastante rico. Esta é, portanto, uma fase particularmente promissora para o estudo da música popular e a sofisticação teórica que está sendo desenvolvida nesta área já está se fazendo presente em outras áreas de pesquisa músical.
Embora exista hoje um grande diálogo na área de estudos voltados para a música popular, quando eu estava fazendo meu doutorado na USP na década de 80 a situação era bem diferente. Além de não existir a vasta bibliografia que temos hoje, o acesso a livros no Brasil era bastante limitado. Hoje, com a internet, ficou muito mais fácil se manter atualisado: muitos trabalhos de ponta estão 'on-line' e tornou-se fácil comprar os últimos lançamentos internacionais em livrarias virtuais. Apesar da falta de acesso aos benefícios recentes da globalização, as turmas pré-internet tinha muita criatividade e intuição – elementos estes que continuam sendo fundamentais para qualquer pesquisa bem sucedida.

Pesquisando a música sertaneja

O tema central da minha tese de doutorado – as folias de reis de São Bernardo do Campo – não tem, a primeira vista, muito a ver com 'música popular', se por música popular entendemos produtos da indústria cultural de massa. Porém, nos intervalos entre a cantoria de reis, os foliões cantavam música sertaneja, um gênero que é veiculado pela indústria cultural. Para entender melhor o mundo das folias de reis, percebi, logo no início do trabalho, que eu teria que me voltar para a investigação da música sertaneja.
A bibliografia sobre música sertaneja na época era bastante reduzida. Havia um trabalho de José de Souza Martins (1975), o livro, Acorde na aurora, de Waldenyr Caldas (1979) e alguns textos de José Ramos Tinhorão (1976, 1986). Hoje a bibliografia acadêmica sobre o tema já é mais extensa. Tem, por exemplo, o trabalho de Martha de Ulhôa Carvalho (1993)[1] e o minucioso levantamento histórico de Rosa Nepomuceno (1999). Outros trabalhos estão em andamento, como a tese de doutorado de Alex Dent, que será apresentada logo mais na Universidade de Chicago.
Também é importante notar que, nos anos 80, a música sertaneja não tinha a visibilidade que ela veio a ter na década seguinte, quando houve o grande boom sertanejo, liderado por Liu e Léu. Eu fui criada em São Bernardo numa família de classe média e, nesse ambiente, tive pouquíssimo acesso a música sertaneja, até porque os meios de comunicação dominantes se voltavam principalmente para o gosto das classes privilegiadas. Evidentemente, eu conhecia algumas melodias e fragmentos de músicas, como 'Tristeza do Jeca', 'Chico Mineiro', 'Menino da Porteira', e outros clássicos desse repertório. Mas até por uma questão de princípio, a juventude das classes privilegiadas evitava qualquer contato com a música sertaneja por ser considerada 'brega'.
Vale notar, porém, que, apesar da grande presença da MPB nos meios de comunicação de massa dominantes, os foliões tinham pouco interesse nela. Assim como eu disconhecia a música sertaneja, eles evitavam a MPB, considerando-a música de gente rica. Um jovem folião até me disse abertamente: "Eu não gosto daquelas músicas [de MPB], não. Quem gosta daquilo é filhinho de papai que nunca teve que trabalhar". Parecia, portanto, que as barreiras de classe estavam também delineados no gosto musical. Tratava-se, portanto, de investigar como o gosto musical se forma e como ele se relaciona à identidade de classe no Brasil.[2]
Com estes objetivos, dei início ao trabalho. Primeiramente eu precisava me familiarizar com o repertório da música sertaneja. Eu já havia percebido que havia uma série de músicas que praticamente todos of foliões conhecia, então eu comprei alguns discos que tinham estas músicas e comecei a transcrever as letras e a aprender a cantá-las. Na medida em que o meu repertório crescia, aumentavam também as minhas oportunidades de participar das cantorias dos foliões. Também comecei a intrevistar os foliões sobre o seu conhecimento da música sertaneja. Minha primeira intrevista formal sobre o assunto foi com um folião chamado Zezo. Durante a sua juventude, Zezo tinha feito parte de uma dupla sertaneja em Arceburgo (MG), sua cidade natal, e pensei que, por isto, ele teria um bom conhecimento do gênero. De fato, seu conhecimento era vasto, tão vasto que minhas intrevistas com ele se tornaram a base do projeto.
No decorrer das nossas conversas, Zezo me contou como ele entendia o desenvolvimento histórico da música sertaneja. Na sua juventude, as duplas eram "meio caipiras", na medida em que usavam uma linguagem regional e os temas das suas músicas freqüentemente abordavam questões da vida rural. O acompanhamento deste estilo limitava-se, muitas vezes, apenas a uma viola e um violão. Para Zezo, as duplas que representam este período incluíam Torres e Florêncio e Tonico e Tinoco. Grandes clássicos deste período, como 'Pingo d'Água', 'Chico Mineiro', 'Menino da Porteira' e 'Chalana', continuavam a ser cantados pelos foliões e demais fãs da música sertaneja.
Quando Zezo se mudou para São Bernardo em 1964, ele percebeu mudanças no gênero que lhe dava características mais modernas. No seu entender, foram justamente estas mudanças que transformaram a 'música caipira' em 'música sertaneja'. De acordo com Zezo, o elemento mais visível desta modernização está no uso de um português 'correto' e mais 'sofisticado'.[3] Ele também ressaltou mudanças nos temas das músicas, que a partir de então passaram a se voltar para a experiência da migração. Praticamente todas as duplas tinham pelo menos uma música dedicada à sua cidade de origem, a qual era representada com nostalgia. A figura do boiadeiro, tão presente na 'música caipira', começou a desaparecer e uma nova figura, a do caminhoneiro, tornou-se mais visível. Passou-se também a dar mais atenção aos arranjos das músicas e a instrumentação tornou-se mais sofisticada.
Tomando sua própria família como exemplo, Zezo disse que, a partir dos anos 60, a música sertaneja começou a tomar dois rumos distintos, com um repertório voltado para a população migrante e outro para a juventude composta por filhos de migrantes que nasceram na cidade. Enquanto seus filhos gostavam de duplas como Chitãozinho e Xororó, cujas músicas lidam com temas românticos, ele preferia duplas como Tião Carrero e Pardinho e Pena Branca e Xavantinho, cujas letras utilizam um português correto, mas mantêm um estilo tradicional. Estas duas vertentes também se distinguiam em termos de estilo vocal: os 'moderninhos' cantavam com uma voz mais fina enquanto os tradicionais utilizavam voz grossa, ou, como disse Zezo, "voz de homem mesmo".
A representação da música sertaneja feita por Zezo, portanto, dividia o gênero em três fases principais: uma fase caipira, uma fase migrante e uma fase moderna. Cada fase se dirigia a um público alvo específico, utilizava uma temática ligada ao público alvo e se caracterizava por determinados elementos musicias, como instrumentação própria e um determinado estilo vocal.[4]
Durante a pesquisa, Zezo me mostrou sua coleção de discos, que continha uns 25 a 30 LPs. Havia algumas trilhas sonoras de novela, mas a grande maioria dos seus LPs era de música sertaneja. Para cada disco que ele me mostrava, ele tinha uma estória para contar. Este exercício foi particularmente instrutivo, porque revelou aquilo que Zezo considerava relevante dizer sobre seus discos. Para quase todas as duplas representadas ali ele podia dizer a cidade natal dos músicos, indicando que sua identificação com os cantores estava baseada na sua origem rural. Em praticamente todos os casos ele fez questão de falar alguma coisa sobre a relação dos cantores um com o outro, enfatizando, em particular, o parentesco da dupla. A importância da relação dos cantores de uma dupla pode ser notada na maneira com que muitas delas se nomeiam: Tonico e Tinoco, Liu e Léo, Pena Branca e Xavantinho, nomes estes que sugerem irmandade.
Outra questão que me champou atenção foi a preocupação de Zezo em me contar sobre como cada disco havia chegado à sua casa. Alguns dos discos pertenciam a um dos seus filhos; outros eram presentes que ele havia recebido de algum parente. Alguns discos perteciam a amigos que estavam ali de empréstimo e ele também inventariou os discos dele que estavam emprestados a amigos e vizinhos. Discos, portanto, são objectos que circulam entre amigos. Assim, embora uma pessoa possa ter uma coleção pequena, seu acesso a discos se torna bem mais amplo através deste sistema de empréstimo.
Outras questões foram surgindo na medida em que Zezo escolhia as músicas que ele queria que eu ouvisse. Grosso modo, suas escolhas eram feitas a partir do conteúdo da letra das músicas. Muitas músicas no repertório sertanejo se estruturam em torno de uma estória e quase sempre a estória tem uma moral. Uma das primeiras músicas que ele botou para mim ouvir foi 'Couro de Boi', que enfatisa a responsabilidade dos filhos para com seus pais idosos, um tema presente também em outras músicas do repertório, como 'Filho Adotivo'. Assim como muitas duplas são compostas de parentes, temas voltados para obrigações familiares são muito comuns, principalmente no repertório clássico do gênero. Em outras músicas estas relações aparecem como o modelo para as demais relações sociais, como em 'Menino da Porteira' ou 'Chico Mineiro'. Enfim, o etos da música sertaneja ouvida e cantada pelos foliões é coerente com a visão de mundo do catolicismo popular, que enfatisa a reciprocidade e obrigações sociais como a base moral para a conviência social.
Pode-se dizer também que a maneira como Zezo formulou o desenvolvimeto histórico do gênero está relacionada às aspirações da população migrante de São Bernado: antigamente a música era rústica (caipira), mas depois foi se tornando mais moderna, ou urbana, reproduzindo a visão que muitos migrantes têm de suas próprias trajetórias. No entanto, as músicas do repertório sertanejo que eram selecionadas pelos foliões para suas cantorias eram justamente aquelas que mantinham os valores morais da zona rural. Este repertório, portanto, apresentava-se como uma expressão da maneira como os foliões viam-se a si mesmos: por um lado, com a sua vinda para a cidade, eles haviam adquirido acesso à modernidade, mas por outro, não haviam se deixado contaminar pela impessoalidade da cidade grande.

Conclusões

Como eu disse antes, engagei-me nesta pesquisa de forma intuitiva. Hoje, contudo, percebo que eu estava trabalhando dentro de uma linha até bastante comum aos estudos da música popular, na medida em que se tratava de um estudo do público ouvinte da música sertaneja.[5] Esta é uma perspectiva que faz muito sentido para o estudo da música popular, justamente porque é o público ouvinte que compra os discos, que vai aos shows, enfim, que faz a popularidade do músico. No entanto, para fazer este levantamento, utlizei metodologias de trabalho de campo tipicamente antropológicas, que envolveram tanto a observação-participante quanto entrevistas qualitativas. As metodologias da antropologia foram desenvolvidas justamente para permitir a investigação da visão de mundo do 'outro'. Como eu estava procurando meios de explicar o gosto pela música sertaneja entre os foliões, as metodologias antropológicas se provaram bastantes úteis para a tarefa. Talvez a grande vantagem desta metodologia justamente num período em que as opções teóricas na área de estudos da música popular ainda eram limitadas é que ela sussitou muitas das questões que vêm sendo sistematizadas na área dos anos 80 para cá.
Voltando, então, aos meus diálogos com Zezo, vê-se que estas conversas levantaram várias trajetórias de pesquisa possíveis. Aliás, muitos dos temas que ele mesmo levantou têm se tornado focos de investigação dentro dos estudos da música popular, tanto que hoje vejo Zezo como um sociólogo/antropólogo nato. Ele não só traçou o desenvolvimento da música sertaneja, mas também relacionou este desenvolvimento à sua própria trajetória de vida. Desta maneira ele apontou para a relação que existe entre o gosto por certos estilos musicias e a construção da identidade. Hoje a relação entre música e identidade já se transformou numa perspectiva pilar dentro da etnomusicologia, pilar este que foi sistematizado com a publicação da coletânea organizada por Martin Stokes (1994). Este discurso também exemplifica como o próprio processo da construção histórica de um gênero musical se relaciona à construção da identidade, reproduzindo um dos argumentos básicos de John Tosh (1984). Ao comentar sua coleção de discos, a fala de Zezo sugeriu uma série de outras trajetórias de investigação, englobando a sociologia dos músicos bem como noções de propriedade e circulação de bens musiciais. Nesta conjuntura toda, comceça-se a ver o significado que a música sertaneja tem para o seu público ouvinte.
No seu livro, Performance Rites, Simon Frith (1998) diz que para que se possa apreciar a música popular (ou qualquer música) é preciso saber ouvi-la e que este saber é adquirido no convívio social. Frith chega a esta conclusão ao notar que as pessoas passam muito tempo em discussões sobre música e que estas conversas são sobretudo avaliações críticas da música. E tem mais: o que se avalia nunca é exclusivamente a estética da música; ao formular suas avaliações estéticas, as pessoas exteriorizam seu posicionamento ético. Com os foliões, procurei aprender a ouvir a música sertaneja como eles a ouvem. Para eles, trata-se de uma música que articula seus mais profundos valores morais, enfatizando reciprocidade e obrigações familiares, solidariedade e fidelidade entre amigos e vizinhos, o valor do trabalho e a importância da fé religiosa.
Dos anos 80 para cá, houve muitas mudanças na música sertaneja, afetando tanto suas características musicais como seus conteúdos temáticos. O campo, portanto, continua aberto para novas pesquisas para que possamos apreender o que se ouve hoje neste repertório.
Referências do texto:
1 - Atualmente esta autora se chama Martha Tupinambá de Ulhôa.

2 - Na fala de ontem, Prof. Tatit comentou que hoje a música sertaneja, o pagode e o axé estão dominando a mídia, e que talvez valesse à pena paramos para refletir sobre como estes gêneros vieram a adquirir este domínio. Não posso comentar sobre o axé e o pagode, mas com relação à música sertaneja, a minha experiência sugere que, na verdade, o que existiu eram mundos invisíveis um ou outro. De acordo com José de Souza Martins, que fez uma pesquisa pioneira da musica sertaneja na década de 70***, em termos de unidades de discos vendidios, vendiam-se mais discos de música sertaneja do que de qualquer outro gênero no Brasil. Isto sugere que o que se torna necessário explicar não seja tanto como a música sertaneja, o pagode e o axé vieram a dominar a mídia, mas como esses gêneros permaneceram invisíveis por tanto tempo.

3 - Esta questão é também apontada por Waldenyr Caldas, porém Caldas procura demonstar que nem sempre as formas gramaticais das letras modernizadas seguim as normas padronizadas pelas instituições oficiais.

4- Para uma discussão mais elaborada das diversas fases da música sertaneja, ver Reily (1992).

5 - Praticamente todos os livros texto atuais sobre o estudo da música popular incluem pelo menos um capítulo sobre o estudo do público ouvinte. Ver, por exemplo, Nagus (1996), Shuker (1994), Wicke (1995 [1987]) e outros.


Bibliografia

Caldas, Waldenyr (1979) Acorde na aurora. São Paulo, Nacional.
Carvalho, Martha de Ulhôa (1993) "Musical style, migration and urbanization: some considerations on Brazilian música sertaneja (country music)." Studies in Latin American popular culture, 12:75–94.
Frith, Simon (1998) Performing rites.Oxford, Oxford University Press.
Martins, José de Souza (1975) "Música sertaneja: a dissimulação na linguagem dos humilhados. In Martins (org.), Capitalismo e tradicionalismo. São Paulo, Pioneira, pp. 103–61.
Nagus, Keith (1996) Popular music in theory: and introduction. Cambridge, Polity Press.
Nepomuceno, Rosa (1999) Música caipira – da roça ao rodeio. _____, Editora 34
Reily, Suzel Ana (1992) "Música sertaneja and migrant identity: the stylistic development of a Brazilian genre." Popular music, 11(3):337:58.
Shuker, Roy (1994) Understanding popular music. Londres, Routledge.
Stokes, Martin (org.) (1994) Ethnicity, identity and music: the musical construction of place. Oxford, Berg.
Tinhorão, José Ramos (1976) Música popular - os sons que vêm da rua. Rio de Janeiro, Tinhorão.
_____ (1986) Pequena história da música popular: da modinha ao tropicalismo. São Paulo, Arte Editora.
Tosh, John (1984) The pursuit of history. Londres, Longman.
Wicke, Peter (1995 [1987]) Rock music: culture, aesthetics and sociology. Cambridge, Cambridge University Press.
[1]Atualmente esta autora se chama Martha Tupinambá de Ulhôa.
[2]Na fala de ontem, Prof. Tatit comentou que hoje a música sertaneja, o pagode e o axé estão dominando a mídia, e que talvez valesse à pena paramos para refletir sobre como estes gêneros vieram a adquirir este domínio. Não posso comentar sobre o axé e o pagode, mas com relação à música sertaneja, a minha experiência sugere que, na verdade, o que existiu eram mundos invisíveis um ou outro. De acordo com José de Souza Martins, que fez uma pesquisa pioneira da musica sertaneja na década de 70***, em termos de unidades de discos vendidios, vendiam-se mais discos de música sertaneja do que de qualquer outro gênero no Brasil. Isto sugere que o que se torna necessário explicar não seja tanto como a música sertaneja, o pagode e o axé vieram a dominar a mídia, mas como esses gêneros permaneceram invisíveis por tanto tempo.
[3]Esta questão é também apontada por Waldenyr Caldas, porém Caldas procura demonstar que nem sempre as formas gramaticais das letras modernizadas seguim as normas padronizadas pelas instituições oficiais.
[4]Para uma discussão mais elaborada das diversas fases da música sertaneja, ver Reily (1992).
[5]Praticamente todos os livros texto atuais sobre o estudo da música popular incluem pelo menos um capítulo sobre o estudo do público ouvinte. Ver, por exemplo, Nagus (1996), Shuker (1994), Wicke (1995 [1987]) e outros.
SUZEL ANA REILY
Doutora em Antropologia Social pela USP, Professora de Etnomusicologia na Queen's University Belfast desde 1990, Autora de 'Voices of the Magi: Enchanted Journeys in Southeast Brazil' (Chicago 2002), Organizadora de 'The Muscal Human: John Blacking's Ethnomusicology in the 21st Century' (Ashgate 2006) e Produtora dos sites 'Venda Girls' Initiation Schools' (www.qub.ac.uk/VendaGirls/index.html) e 'Semana Santa em Campanha (www.qub.ac.uk/sa-old/resources/HolyWeek/index.html).

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

DA COMUNICAÇÃO À INTERAÇÃO

[ texto publicado no site publicado no site
http://www.viraweb.com.br de 1/9/2002 ]


IVAN FERRER MAIA

As pinturas e os desenhos nas cavernas, do período Paleolítico, estavam relacionados diretamente com a caça. Não visavam utilizá-los como um meio de comunicação entre os homens, mas pretendiam comunicar com forças mágicas que os favorecessem obter o animal: eu desenho, logo caço! As pinturas eram feitas dentro das cavernas, em locais escuros e - muitas vezes - uma sobre a outra. Não havia interesse estético. Mas é no período Neolítico, quando o homem torna-se sedentário e passa a compartilhar sua terra e seu cultivo, que se esboça os princípios do cooperativismo e fomenta a necessidade de comunicação entre eles.É provavelmente na Mesopotâmia que se encontra o início da etiqueta. Para classificar os produtos a serem comercializados, os mesopotâmicos desenvolveram códigos que serviam como etiquetas para as mercadorias. A comunicação de uma via, sem interação, perdurará por muito tempo.Com o advento da televisão podemos visualizar melhor a evolução da comunicação até chegar à interatividade. A TV em preto e branco, com um ou dois canais, limitava-se em ligar ou desligar, aumentar ou abaixar o volume, brilho, contraste e alterar de um canal ao outro (mesmo sendo apenas dois canais). É chamada por alguns autores de interatividade analógico-eletro-mecânica. Já com a TV colorida, surge o controle remoto e conseqüentemente o zapping, que dizem ser o antecessor da navegação na World Wide Web. Outros equipamentos complementam a TV - vídeo, câmaras portáteis, jogos eletrônicos. Com esses aparelhos a TV ganha outras funcionalidades, como assistir a vídeos gravados e jogar. É com a TV digital interativa que o telespectador poderá participar ou alterar o conteúdo informativo das emissões em tempo real, utilizando fax, e-mail, telefone ou carta. Na interatividade digital o telespectador pode votar, opinar sobre algum tema, ou seja, interagir com o conteúdo. Enquanto na TV tradicional a interatividade é com a máquina, na digital é com o conteúdo. No entanto, foi com a internet que a interatividade ficou mais efetiva. Podemos citar como exemplo a seção Galeria do Visitante de um site que criamos - www.descubracampanha.cjb.net. É um site voltado para o turismo de uma cidade, sendo que nessa seção o turista compartilha suas fotos, desenhos ou poesias desenvolvidas após ou durante sua visita à cidade. O turista compartilha seu olhar sobre o local com outros usuários do site.A internet possibilitou também um outro tipo de interatividade - a social ou também a chamada interação. Neste caso, a tecnologia é apenas um meio para favorecer a relação entre um grupo social. Os ambientes virtuais cooperativos são exemplos de tecnologias que permitem esse tipo de interação. Aqui, os usuários se relacionam colaborando / cooperando uns com outros, a ponto de fortificar a autonomia e formar uma autêntica comunidade virtual.

IVAN FERRER MAIA Mestre em Multimeios / UNICAMP, Designer, Diretor Pedagógico da COOPERCAMP, Professor titular da UEMG, docente das disciplinas de Metodologia Científica, Arte e Sociedade, História da Arte e Turismo Cultural. Especialista em Criatividade, Cultura Visual e Tecnologia Digital

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Emissor e receptor, estrategistas do texto


Texto de David Borges


As concepções de sujeito ativo sempre me agradaram, visto que a linguagem (como elemento imprescindível nas relações sociais) deve ser concebida como ferramenta socio-interacional. A simples menção em sujeito passivo não sana completamente os problemas atuais que temos (principalmente na escola) referentes à "competência textual". Já que a linguagem é concebida como ferramenta de interação, como poderia o sujeito ser passivo?

As relações entre sujeito (emissor) devem ser pré-estabelecidas com o destinatário da mensagem, numa relação na qual serão ativados uma série de fatores, tais quais: sócio-cognitivos, sócio-culturais, sócio-econômicos, realidade do meio em que vivem (emissor e destinatário da mensagem), enfim, bagagem cultural ou; reduzindo a um termo, conhecimento prévio.

Estabelecida essa "conexão" emissor / receptor, inicia-se a criação chamada de produção de sentido textual. Primeiramente por parte do produtor e, depois, pelo receptor. No entanto, para que essa produção de sentido seja eficaz, o produtor deve elaborar estratégias de composição textual de acordo com as suas intenções que façam sentido ao destinatário em questão. E este, por sua vez, quando de posse do texto, deverá encontrar as marcas e pistas deixadas pelo emissor (construção do sentido por parte do leitor e adequação ao contexto), tendo em mente que, por mais explícito que possa parecer, um texto sempre conterá alguns elementos implícitos que só poderão ser identificados por leitores competentes para tal ato (teoria da linguística sociointeracional).

Dessa maneira, o produtor e destinatário comungarão de um sentido global do texto e a interação entre ambos terá se processado satisfatoriamente; uma vez que a comunicação desse mesmo sentido global foi transmitida com clareza, concisão, coerência, coesão, etc. Nestes termos, a comunicação será um sucesso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2003.

BENTES, A. C. Lingüística Textual. In: MUASSALIM, F.& BENTES, A. C. Introdução à Lingüística (1). Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2000.

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal. 4 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.



David Borges é formado em Letras pela UEMG, professor e articulista deste blog.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Liquidação

Texto de Mário Lemes

Foi-se o tempo em que a Moda era ditada. Ou, foi-se o tempo em que era Moda ditar Moda. Não que não existam mais tendências, roupas vendidas em massa, etc. Claro que tudo isso ainda existe e, creio eu, sempre existirá. Mas a questão é que, de uns tempos pra cá, seguir as tendências à risca e se deixar moldar de acordo com elas é algo visto como um tanto demodê. Aliás, o próprio termo "demodê" também já deveria ser considerado fora de moda. Ted Polhemus, um antropólogo conhecidíssimo no mundo da Moda, teorizou que o que veríamos a partir da década de 90 seria um grande "supermercado de estilos", onde todas as épocas passadas, todas as ideologias e etc, estariam dispostas como latas em uma prateleira, prontas para serem escolhidas e consumidas livremente. A meu ver, Ted fez uma releitura da idéia de Andy Warhol, figura maior do movimento Pop Art, que se tornou célebre em meados do século passado. Em síntese, Warhol era um artista que colocava como um produto comercializado em série tudo aquilo que a sociedade valorizava.
A visão de Ted (e também de Warhol) aponta para um mundo fashion que só se desenvolve e evolui a partir de coisas já prontas. Em outras palavras, é como se tudo já tivesse sido criado e não desse mais para ficar esperando inovações para se vestir e, sim, devêssemos pegar um pouco de tudo já existente e criar, nós mesmos, nosso próprio estilo.
Pode parecer tanto mais fácil quanto mais difícil do que realmente é. Criar o estilo próprio requer bom senso: não adianta colocar uma pantalona porque acha legal, se você mede 1,56. O ideal é ter percepção e escolher "na prateleira de latas" o que mais lhe cai bem e também o que vai de acordo com o seu gosto. Além disso, requer ousadia, claro! Para não ter medo e nem vergonha de usar algo que sua avó já usou parecido na juventude ou colocar um chapéu com o qual você nunca viu ninguém igual.
Também não adianta encher o guarda-roupa com peças iguais as da novela, comprar tudo que viu no São Paulo Fashion Week ou querer uma roupa porque a viu em todo mundo, achando que vai "estar na Moda": A saturação e a massificação das roupas também é absolutamente FORA de moda. Um exemplo que sempre costumo dar é o das tão "queridas" leggings: As famosas calças coladas já foram "supimpa" nos anos 80 (quando, inclusive, a expressão "supimpa" também fazia sucesso). Depois, associada com a plataforma que foi hit anos antes, a legging virou sinônimo de cafonice, gente brega, mulher do subúrbio. Depois de sumir, reapareceu embaixo de saias e coisas assim pra virar cafona novamente e depois ressurgir das cinzas combinadas com batas esvoaçantes. Confesso que há um ano e meio, eu ainda acharia uma mulher de blusão e legging no mínimo elegante, mas hoje... a peça supersaturou, começou a aparecer no corpo das atrizes "popularescas", das cantoras de axé, e de todas as mulheres do Brasil. Ficou algo assustador! Ninguém mais parece ter personalidade e estilo próprio com essas calças, virou um uniforme! Se contrapondo à síndrome do "todo mundo tem, eu tenho que ter", está o anseio pela unicidade das roupas que se usa. É um tanto duro dizer isso, mas querer e exigir a exclusividade do vestuário é, no mínimo, pretensioso. Como Ted Polhemus disse, as latas estão na prateleira e, segundo Andy Warhol, elas são mesmo produzidas em série. E não adianta: sempre haverá alguém no mundo com alguma peça igual à sua. O que fazer? Buscar a tal exclusividade nas combinações, nas sobreposições, nas escolhas e criar peculiaridades na hora de montar seu estilo próprio.
Há uma regra básica quando o assunto é Moda (chamemos aqui de auto-moda): nunca subestimar o guarda-roupa. Explico, ou melhor, exemplifico: as estampas xadrez anos atrás marcaram forte presença no armário bagunçado de todos os grunges, em certos lugares já foi associada à imagem de caipira e até de mendigo, foram se tornando peça alternativa cobiçada (que, por sua vez, tende a ser cool), de repente começou a ganhar um adepto fashion aqui, outro ali e pra nossa surpresa (ou não) foram vistas recobertas de glamour há algumas semanas nos desfiles do SPFW e do Fashion Rio. Outro exemplo positivo que dou é o das gravatas, acessório típico do vestuário formal masculino que teve sua origem num passado remoto, associado à aristocracia, já representou muitas ideologias, foi símbolo de "executivo" e há pouco tempo apareceu pendurado no pescoço de vários adolescentes. Você arriscaria um palpite sobre as futuras tendências da gravata? Eu não. Assim como é difícil prever as tendências sobre qualquer coisa pra daqui uns dez meses.
A Moda é imprevisível e como tal não deve ser pré-julgada. Não se pode deixar-se moldar com tudo que se vê por aí gratuitamente. Muito menos rotular o estilo de alguém ou jurar nunca usar alguma peça. A Moda muda. A Moda roda. O que já foi considerado brega pode não ser mais, ou, talvez, até seja. Mas sempre será cool ter um estilo próprio. E eu disse PRÓPRIO, não ultrapassado. Busque, sim, a exclusividade! Mas faça-a surgir de você mesmo. Coloque a personalidade na sua roupa. Crie um estilo único. Com ousadia e o mínimo de bom senso, escolha as melhores "latas", encha seu "carrinho". O "Supermercado" está de portas abertas e vive em liquidação. Seja bem-vindo!



Mário Lemes

É articulista de Moda do site:
http://www.revistamirabolante.com.br/

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Com Acuçar e Com Afeto

Texto de Má Palas

Depois de muito tempo tentando entender a dinâmica de certas coisas que estão ao meu redor resolvi ir em busca do que me intrigava constantemente e comecei com Chico Buarque de Holanda para chegar a Nelson Rodrigues.
Comecei tentando entender quem era e qual esta música que este tal de Chico Buarque faz que o povo tanto falta?
Pois bem, confesso que para mim a sonoridade era de um homem com uma mega carácter intelectual, músicas cheias de lirismo mas com uma batidinha nada haver ou como diria alguns, sem noção. Uma batidinha que não era Bossa Nova, não era a MPB de Roberto Carlos e muito menos de Caetano Veloso e não se enquadra o Tom Jobim, né?
Ou seja, um jeito manso em um balaio de agenciamento de formas, como diz Jean Laude, mais uma pequena dose de crítica?
É isto o tão famoso Chico? Não, necessitava de maiores informações, maiores referências e fui em busca de uma biografia. Ah, quem sabe ali encontro o que tanto quero entender!! Na verdade, me auto sugeri um livro em que outras pessoas falassem dele e achei : O Chico Cristão, O Chico Familiar, O Chico Político, O Chico Estudante, O Chico Gran Artista....E entre outros Chicos dentro de um Chico.
Desisti, parei a biografia no meio ou estou enjoada mais lendo-a passasivamente e, ainda não consegui definir este músico dentro da minha vida de bandeirante de novos sons e músicas.
E nesta confusão toda de busca e decepção biográfica, caí em minhas mãos o novo cd da Fernanda Takai com regravações de Nara Leão produzido pelo Nelson Motta. Simplesmente incrível e com uma musiquinha do Chico. Ah, finalmente...Até que fim, uma regravações, uma mudança de estilo para o pop rock com distorções de guitarra e eis que me surge a melhor definição de Chico Buarque de Holanda.
Concordo com todos quando dizem que Chico Buarque uma personalidade que dá para colocar ao lado de Gregório de Matos, Euclides da Cunha, João do Rio e Clarice Lispector.
Só que pela densidade e expressão de suas palavras, ele precisa de um contraponto que se encontra em um violão ou na sua suave voz, algo quase arcaico e simples. Uma mestiçagem de sons, expressões e corpos.
Odeiam quando falam que Chico sabe entender a alma feminina? E a masculina? Chico não entende nada, nem ele e muito menos eu. Ele sente e coloca para fora o que realmente anseia seu corpo, deixa o corpo falar e agir, inclusive falta tanto que renasce junto com açucar e com afeto fazendo um doce bem sincero para nós paramos em casa e degustar qual o quê?



Referências:
Fernandes, de Rinaldo (2004). Chico Buarque do Brasil. Rio de Janeiro: Garamond.
Holanda, Chico Buarque (mus). Com açucar e com afeto.


Má Palas
A orquestração poética de vozes múltiplas.